Sunday, October 12, 2008

Ponta-cabeça

A moura torta da fábula:
Horrível bicho-papão
Gosta de comer princesas

A moura torta que não é minha:
Lindo bicho-papão
Não perguntei das princesas

Friday, October 10, 2008

may i feel said he

may i feel said he
(i'll squeal said she
just once said he)
it's fun said she

(may i touch said he
how much said she
a lot said he)
why not said she

(let's go said he
not too far said she
what's too far said he
where you are said she)

may i stay said he
which way said she
like this said he
if you kiss said she

may i move said he
is it love said she)
if you're willing said he
(but you're killing said she

but it's life said he
but your wife said she
now said he)
ow said she

(tiptop said he
don't stop said she
oh no said he)
go slow said she

(cccome?said he
ummm said she)
you're divine!said he
(you are Mine said she)


- e.e.cummings

Thursday, October 09, 2008

Junkie

Como se fosse um poço, que me afoga...
Se abre tua boca, hipnótica, irresistível
A fumaça acre entre os lábios vermelhos
É mais deliciosa do que mil perfumes

Como se fossem rochedos contra os quais
Meu barco afundará sem que ninguém
del guarde o luto nem lhe recolha as velas
Vejo, busco - teus ombros firmes e pálidos

Como se em você houvesse outra geografia
Perigosa e irresistível, cheia de sereias
Que cantam para a ruína dos homens, que
Vão rindo, felizes, rumo a suas mortes.

Wednesday, October 08, 2008

Butô

No me gustan las imágenes!
Disse-me ela
Chapéu encobrindo o rosto
En las calles de Buenos Aires
Num filme noir chiaroscuro.

Gosto do que é físico,
De músculos que tremem de esforço
De ossos que às vezes se quebram
De gente que sua e se suja!
As imagens não me aquecem.

E por isso, claro menti: não foi
Em filme, película nem fumaça
Que ouvi sua declaração
De amor pelo que existe
De gosto pelo que é tocável.

Pois a Sandra Midori Kanazawa,
Bela morena
Que nada tem de argentina
Nem de heroína noir
No le gustan las imágenes.

Moko

Meus nunca foram os sonetos
Sempre me ri das velhas métricas
Em versos livres xinguei elogios
E joguei fora pentâmeros e rimas.
Mas teus olhos, teus lábios, fronte
Me proíbem sonhar com a liberdade
Então terá catorze linhas teu anel
Linhas rígidas evocando o doce mel
Que encontra bêbado quem te beija
De que lembro quando em você penso
Recebe então, de minha pobre boca
Este pobre poema, de linha tão rija.
Feito por alguém que já é tão sonso
Que fica louco só de olhar tua nuca

Tuesday, October 07, 2008

O que assucedeu

Kalu, Kalu
Tira o verde desses óio de riba d'eu
Kalu, Kalu
Não se esqueça que você já me esqueceu
Kalu, Kalu
Esse olhar depois do que assucedeu
Com certeza só não tendo coração
Fazer tal judiação
Você tá mangando de eu
Kalu, Kalu
Tira o verde desses óio de riba d'eu
Kalu, Kalu
Não se esqueça que você já me esqueceu
Kalu, Kalu
Esse olhar depois do que assucedeu
Com certeza só não tendo coração
Fazer tal judiação
Você tá mangando de eu
Kalu, Kalu
Tira o verde desses óio de riba d'eu
Kalu, Kalu
Não se esqueça que você já me esqueceu
Kalu, Kalu
Esse olhar depois do que assucedeu
Com certeza só não tendo coração
Fazer tal judiação
Você tá mangando de eu


- Humberto Teixeira

Monday, September 08, 2008

Já disse que a Anne Sexton é Phoddah?

Então digo > digo de novo

Take the black eyes of my love,
coal eyes like a cruel hog,
wanting to whip you and laugh.
Bury them.
Take the hating eyes of martyrs,
presidents, bus collectors,
bank managers, soldiers.
Bury them.

Thursday, July 31, 2008

Besteira pernóstica I

Dez mil budas
Dez mil templos
Cem vezes cem igrejas

Incensos opiáceos subindo de mãos delicadas
Sombras e trevas, que acolhem ou assustam
Roupas brancas, ou rubras como as brasas
Signos obscuros - não se vê o que assinalam

Barbas brancas e pretas e grisalhas.
Chapéus pretos e rubros e dourados
Vozes sonoras e trêmulas e caladas

Espelhos do céu ou espetáculos bem terrenos?
Quenóticos e gnósticos, cismas e guerras santas
Guerras de flores, cruzadas, jihads, reconquistas
a santidade escorrendo das veias dos moribundos

Thursday, July 24, 2008

Monotropa Uniflora

Uma flor, como um fio de leite no escuro,
crescendo branca daquelas folhas mortas.
Seu nome, não deve a nenhum camponês
A nenhum índio, nenhum caçador, pastora
A ninguém que usasse as coisas que olha:

Eis que é demasiado rara. De uma raridade e
de um valor para além dos rubis e safiras.
Literalmente - porque nunca ela foi colhida
e paga, com preço vil, para adornar caríssima
serenatas apaixonadas de um néscio príncipe.

Tuesday, April 15, 2008

Vódega

No copo, é uma água clara
Na boca, a primeira suspeita
Do fogo queimando a cabeça

Dos beijos errados trocados
De passos erados dançados
De palavras erradas lançadas

Fótka! Como se um gigante
Lhe apanhasse e rodopiasse
E o mundo em volta derretesse

Até que vem o sono, a dor
De cabeça, a ressaca enjôo, o
mal estar mais que anunciado

E num passe de mágica, curado
Pelo quê? Por mais um copo
De uma água clara no corpo.

Tuesday, April 08, 2008

Spam, poesia do terceiro milênio

Your girl loves enormous arm but the problem is that you have small one.

Don't worry! You have marvelous chance to solve this trouble.

At present you can increase your main organ size.

You will be a king of bed for sure.

Thursday, March 27, 2008

Boca

Fugindo da minha boca,
A tua deixa de existir.
E porque quero essa boca
Tenho que inventá-la, esculpir,
Usando meus próprios lábios

Primeiro desenho teus ombros
Para isso, disponho as palavras
À minha frente, como se fossem
tintas
E diferentes qualidades de barros.

A escultura que faço começa pela
Simples descrição; é o barro, a base
Descrevendo a forma desses lábios
Um coração que se mexe, se afina
Quando um sorriso se forma atrás
dele

Depois, as cores: algumas berrantes,
Bregas como dizer que são lábios de coral
Outras, mais sóbrias, não são adjetivos
São descrições do efeito hipnótico
Como se não fossem lábios, mas olhos
De cobra que paralisam a presa.

Presa? Que presa? Se eu fosse uma
Não precisaria de poema.

Tuesday, March 25, 2008

No Escuro

Ossos se partem, sem fazer nenhum barulho.
O som abafado pela carne se anula, some,
É ouvido como é visto algo no canto do olho
Como pensamos em comer antes de ter fome.
Outros sons: o gorgolejo, pesado e irregular
Feito pelos pulmões à medida que o ar úmido
Do interior escuro se junta à secura externa
A tentativa de gemido de um corpo acabado
No escuro, todos os pecados são satisfeitos
Todas as paixões laboriosamente encenadas
Algumas, as boas, são demoradas e suadas
Algumas, inconfessáveis, desejos nada belos
Rubros, de um vermelho que não se pode ver
Ásperos em meio à maciez da carne humana
Doces em meio ao amargor de que brotam, na
Treva mais que profunda que mora em cada ser

Monday, March 17, 2008

Speak White!

O poema faz quarenta anos hoje.


Speak white

il est si beau de vous entendre

parler de Paradise Lost

ou du profil gracieux et anonyme qui tremble dans les sonnets de Shakespeare

nous sommes un peuple inculte et bègue

mais ne sommes pas sourds au génie d'une langue

parlez avec l'accent de Milton et Byron et Shelley et Keats

speak white

et pardonnez-nous de n'avoir pour réponse

que les chants rauques de nos ancêtres

et le chagrin de Nelligan

speak white

parlez de choses et d'autres

parlez-nous de la Grande Charte

ou du monument à Lincoln

du charme gris de la Tamise

de l'eau rose du Potomac

parlez-nous de vos traditions

nous sommes un peuple peu brillant

mais fort capable d'apprécier

toute l'importance des crumpets

ou du Boston Tea Party

mais quand vous really speak white

quand vous get down to brass tacks

pour parler du gracious living

et parler du standard de vie

et de la Grande Société

un peu plus fort alors speak white

haussez vos voix de contremaîtres

nous sommes un peu durs d'oreille

nous vivons trop près des machines

et n'entendons que notre souffle au-dessus des outils

speak white and loud

qu'on vous entende

de Saint-Henri à Saint-Domingue

oui quelle admirable langue

pour embaucher

donner des ordres

fixer l'heure de la mort à l'ouvrage

et de la pause qui rafraîchit

et ravigote le dollar

speak white

tell us that God is a great big shot

and that we're paid to trust him

speak white

parlez-nous production profits et pourcentages

speak white

c'est une langue riche

pour acheter

mais pour se vendre

mais pour se vendre à perte d'âme

mais pour se vendre

ah !

speak white

big deal

mais pour vous dire

l'éternité d'un jour de grève

pour raconter

une vie de peuple-concierge

mais pour rentrer chez nous le soir

à l'heure où le soleil s'en vient crever au-dessus des ruelles

mais pour vous dire oui que le soleil se couche oui

chaque jour de nos vies à l'est de vos empires

rien ne vaut une langue à jurons

notre parlure pas très propre

tachée de cambouis et d'huile

speak white

soyez à l'aise dans vos mots

nous sommes un peuple rancunier

mais ne reprochons à personne

d'avoir le monopole

de la correction de langage

dans la langue douce de Shakespeare

avec l'accent de Longfellow

parlez un français pur et atrocement blanc

comme au Viêt-Nam au Congo

parlez un allemand impeccable

une étoile jaune entre les dents

parlez russe parlez rappel à l'ordre parlez répression

speak white

c'est une langue universelle

nous sommes nés pour la comprendre

avec ses mots lacrymogènes

avec ses mots matraques

speak white

tell us again about Freedom and Democracy

nous savons que liberté est un mot noir

comme la misère est nègre

et comme le sang se mêle à la poussière des rues d'Alger ou de Little Rock

speak white

de Westminster à Washington relayez-vous

speak white comme à Wall Street

white comme à Watts

be civilized

et comprenez notre parler de circonstance

quand vous nous demandez poliment

how do you do

et nous entendez vous répondre

we're doing all right

we're doing fine

we

are not alone

nous savons

que nous ne sommes pas seuls.

Wednesday, February 20, 2008

Só, acompanhado

Do nada, me crio.
Ao nada, me descrio.
Não há silêncio, aqui
no oco das coisas.

Há uma apreensão,
um medo de nada,
uma coragem quase,
mesmo, perfeitamente
absoluta e irrelevante.

"Se a alma não é pequena"
E se é? O que vale a pena?
Algo? Nada? Tudo, ainda?
E se (e apenas se) eu, ou
talvez outro, tiver agarrado
essa tal de alma,
e jogado fora?

Tuesday, January 29, 2008

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

- Maria Teresa Horta

(Prometo que daqui a pouco volto a postar algo de original.)

Monday, January 28, 2008

De tchaus

Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.


- Maria do Rosário Pedreira