Tuesday, September 28, 2004

João Caveira

Script duma estória escrita pro RC desenhar





Cena 1 – cemitério dos ingleses, zona portuária, Rio de Janeiro

JC, sentado num túmulo, falando com o vazio
- ...agora tem uma coisa que eu ainda não entendi. Como diabo cê veio parar aqui?
- Hans. Um marinheiro alemão. Encontrei-o num antro de ópio, pouco antes de morrer. E soube, quando morri, que ele havia morrido aqui, vítima de uma tatuagem mal feita que infeccionou. Já que não ia subir nem descer mesmo...
- E o Hans?
- Apesar de viado e fumar ópio, foi pro céu. E eu fico preso na sepultura dele ao invés da minha, e com essa porra desse viaduto sinto cheiro de fumaça o dia inteiro. Você não teria um café aí, chá, alguma coisa que cheire?
- (levantando) Trago semana que vem...

Plano muda – Oscar Wilde olhando JC se afastar.

Cena 2 – JC, num supermercado, chá, café e baunilha em ampola na cesta. Toca o celular
- Fala.
- Tá
JC paga com um cartão de crédito escrito “Marcos J. Penteado.” Pôster de propaganda do cartão atrás com o mesmo nome.

Cena 3 – Terreiro. JC entra e vai falando com a mãe de santo enquanto cortam o cabelo de uma menina pra fazer o santo.
- Boa noite, dona Odete
- Boa noite, meu filho. Já comeu? (de lado) Traz comida pro nosso hóspede!
- A senhora tava preocupada, no telefone.
- Meu filho, preocupada é o de menos. Começou há três semanas. Desde então, ninguém mais recebe Xapanã. E o que é pior, sem ele já não se encontra cura pra manter vivo quem merece.
- Mas tem filho de Xapanã aqui?
- Mais de quinze. E num é só aqui. Acontece em outros terreiros também. Filho, orixá não morre...
- Estranho mermo. E a senhora acha que eu posso ajudar?
- Acho não, eu sei. Só abre o olho.
-
Cena 4 – JC num bar de uma boate, tipo Lido. Sujeito gorducho chega perto.
G- Hi brother
JC- Eu não sou gringo...
G- Desculpa, achei que era, num sei porquê.
JC- Tá. (volta a beber)
G- O amigo tá aqui só pra beber?
JC – Tava...
G- Não quer uma garota?
JC – Não pagando.
G – Do jeito que os negócios tão, quem vai ter que pagar vou ser eu, daqui a pouco. (Pega uma garrafa de uisque com o barman, se serve, abre a gravata)
JC- Coméquié? Não sabia que tinha rareado gringo atrás de puta nessa cidade.
G – Cliente ainda tem, o problema é outro.
JC – Quem?
G – Um cara novo aí. Diz que é da Bahia. As dele não cobram camisinha. As minhas, eu mando usar, mando fazer exame, pago do meu bolso, e mermo assim tão morrendo que nem mosca. Assim de repente – puf. A última o médico do Souza Aguiar perguntou se a mãe não queria deixar o cadáver por lá, porque era “fascinante.”
JC – Esse cara novo – como é que ele faz? Ele tem casa, já?
G – Não, trabalha na praia. Sacumé, com livro. Aí leva os caras pro apartamento das meninas. Tudo ali no cabeça de porco.
JC – Sei (coloca o copo no bar e vai embora
G – Mais um... vou ficar pobre mesmo...

Cena 5 – Praia de copacabana – JC andando perto duns coqueiros. Olha dois gringos falando com Mateus, que mostra um álbum a eles. Se aproxima. Intercalando JC andando e Mateus falando com os gringos, até que ele olha pra JC, fala algo e os gringos saem assustados. Quando JC chega perto,
Mateus (alterado) – Qualé, mermão? Já paguei pro delegado, quéisso, extorsão agora?
JC – Eu não sou da polícia...
Mateus – Tu num é cana - tá. E eu sou o Lula. Se não é cana, porquê que veio interromper o trabalho dos outros?
JC – Pois é sobre isso mesmo...quanto você cobra?
Mateus – Cadê o gravador?
JC – Já disse que eu não sou tira, cara.
Dois sujeitos, muito grandes, camiseta de time de futebol e sunga, cabeça raspada, chegam ao lado de JC.
Mateus – Quebra esse X9 e depois a gente vê o que faz com ele.
Capanga 1 – Mas chefe, e se ele for da Civil?
Mateus – Ué, se ele já disse que não é da polícia...
Os dois avançam sobre JC, que os evita na capoeira. Eventualmente, um acerta um soco, que derruba JC. “Tá bom, eu não queria ter que fazer isso...” O próximo soco do pitboy, é só tocado pela palma de JC, mas volta pingando sangue do pulso.
Capanga 1 (intacto) – Caralho, o cara é bruxo também!
Os dois saem correndo. JC tira a lâmina de navalha de entre os dedos e guarda de volta no cinto. Pensa “Cada vez mais interessante. Saber agora aonde o cara foi parar...
Cena 6 – prédio em Copacabana. Saguão. JC entrando no elevador, saltando num corredor comprido, cheio de portas. Bate no número 636. Abre a porta uma menina de shortinho e sutiã.
Menina – Que bom, um cliente bonito pra variar. (Vai pegando em JC)
JC – (meio evitando), hm, não, eu marquei com a...Bárbara.
Menina (resabiada) – Nñao conheço nenhuma Bárbara. Vai lá no fim que eles te chamam. Não quer fazer comigo não?
JC – Sem camisinha, né?
Menina – Claro, o chefe já disse que não precisa, que ele tem uns remédios. (pensativa) cê num tomou viagra não, né
JC – Tomei.
Menina – Ah, então pode ser a Bárbara mesmo, me livra desse horror dessa pilulazinha!

Cena 7 – Apartamento apertado, cheio de badulaques (abajures, tapetes...) Capangas enfaixando o braço do que se cortou. Toca a campainha. Capanga 1 atende a porta. JC do outro lado capanga, alarmado, recua. O outro puxa uma arma.
JC – Eu não usaria isso se fosse você.
Capanga 2 – Ele é bruxo, mermão, larga essa porra pelamordedeus, ele vai jogar um feitiço na gente
Capanga 1 – Bruxo num para bala, com o berro na mão eu sou mais eu (atira. JC se desvia, lhe dá uma rasteira, pega a pistola)
JC – Eu disse. Agora vou ter que atirar de volta... (Dá um tiro no braço já cortado) Agora enfaixa o seu amigo aí que eu vou fazer umas perguntas ao seu patrão.
Chega na sala seguinte, nua, apenas uma cadeira onde está uma mulher alta, também nua.
JC – Bárbara?
B – Você é meu santo? Eu imaginava mais alto. Chegue mais...
JC – Porra, você tá em perigo, menina. (close nas pernas da cadeira – pentagrama em verniz) Cadê teu patrão?
B – Achei que santo soubesse tudo.
JC – suspiro. Esquece. Sai pela porta lateral. No banheiro tem um sujeito de roupa de palha matando um galo, aponta pra JC. JC franze a sobrancelha, vê uma pústula aparecer na cara. “Merda.”
JC recua, o sujeito se levanta e aponta de novo “Karpofi”
JC estapeia as costas.
“Tuberculose”
JC cospe sangue
Mateus/Xapanña – Achou que era foda, né zifio. Eunós sousomos deusdacura. Doença de puta agora você vai pegapegar. (dança em volta de JC) Varíola gonorréia corrimento secreção. Cândida herpes ebola agá – i vê. Rê rê.
JC está pustulento no chão, se apoiando na parede um pouco.
Mateus tira a roupa de palha, a cara aparece em transe e volta ao normal, e chega perto do corpo prostrado.
Mateus – Achou que era foda, apavorou aqueles dois idiotas, agora se meteu com um macumbeiro de verdade tá fudido, né? Fala aí – quer alguma coisa antes de morrer? Charuto? (dá a JC um charuto )
JC – hnn- chalha. (Aponta)
Mateus – O quê? Quê que cê quer? (Olha na direção apontada) Um chapéu? E porque nñao? E um beijo – Bárbara meu amor, vem cá dar um beijo no teu santo.
Bárbara, assustada chega perto
B- O que você fez com ele?
Mateus – Passei todas as pragas das tuas coleguinhas. Pra isso que serve aquela roupa depalha horrível que meu tio me deu. Agora beija ele que ele te salvou a vida. Pera. Antes deixa eu por o chapéu que ele quer morrer de chapéu.
B – Assustada, beija. JC. Este morde seu lábio, derramando sangue sobre o chão. Revira os olhos.
Mateus – Melhor chamar o IML. Ô Chiquinho, seu imbecil, liga pro IML e avisa que tem uma entrega!
JC levanta , cambaleante, braços semiabertos
Mateus – Ei! Isso não é justo! Cê tá morto! Morto!
JC – Eunós não. Rê rie rê. Xapanã num morre, e foi tu que deu o chapéu. Rê rie rê, agora ymbundu felati naô aforu jagon malapá. (JC sara mas mantém a postura de enfermo) Sabe pra onde vão essas prags, filho? Eunósxapanã podemos jogar num rato. Mas você não pensou nisso, né?
Mateus – não, pelamordedeus!
JC – Mateus Rosa Silveira. (Aponta, com o braço mole)
Mateus derrete no chão, agonizando. JC vira a cabeça pra trá grgalhando, cai o chapéu, os olhos voltam ao normal.
JC, pra Bárbara – os empregados dele foram embora, agora. Nós que vamos ter que enterrar esse coitado desse imbecil.
B – Você não tem raiva dele?
JC - eu não. Raiva é pra quem merece.
B- Então porque matou ele?
JC – Xapanã é menos bonzinho. E devia estar cansado, o pobre diabo.

Cena 8 – cemitério dos inglese, à noite. JC de mangas arrega.adas completa uma cova rasa.
JC – Pronto. E você, vai fazer o quie agora?
B – Não sei. Puta de novo, acho que não. Tô com medo de doença.
JC – Vai virar modelo. Liga pra esse telefone.
B – Você não quer vir comigo pra casa? É aqui perto...
Os dois saem. JC joga, sem se virar, algo em cima de um sepulcro escrito em alemão. Close no objeto – é uma caixa de café “pajé.”

Mulher ideal



(Bom, talvez un poquito menos parecida com um lêmur)

O Nome

É homenagem ao jornalista americano que, ao falar das Olimpíadas, mencionou a ginasta brasileira Daiane dos Santos, "que se apresentou ao som de Para Los Rumberos, de Tito Puentes."