Monday, February 12, 2007

Hoje

Na estrada dourada que leva a Samarkand, o pó cobre as roseiras. Cachorros famintos disputam entre si o pouco que encontram em meio aos restos dos viajantes. Estes, hoje, são bem poucos, e ao se encontrar (sempre indo, nunca vindo), não se cumprimentam como irmãos, como amantes ou como aqueles chatos que te reconhecem como compatriota numa terra distante. Passam um pelo outro, agarrando firme seus pertences, com medo de ser roubados. Mal olham para os tijolos dourados, nem reparam que em cada um deles há uma houri do paraíso, presa lá por uma bruxa velha, esperando um simples olhar para libertá-la. Ignoram houris, ignoram rosas, ignoram cachorros famintos e a poeira; só pensam em Samarkand, e por isso nunca chegarão lá. A cidade, com seus pátios vazios de lápis-lazúli e esmeralda, sente falta dos viajantes de outros tempos, com suas mulas de arreios de prata ou com seus potros cavalgados em pelo, viajantes para quem qualquer parada ou encontro na estrada era motivo para uma festa de rara alegria. Às vezes, Samarkand a saudosa solta um suspiro imenso, que na forma de uma nuvem negra se espalha pelo deserto, matando a sede dos vira-latas.

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