Sentado na beira da cama, coço a barriga. Conto as pelancas, no rastro que sobe entre elas olho os fios brancos que se mesclam aos pretos. Será que foi tanto tempo assim? Deve ter sido. Acordar já foi sinônimo de se levantar pra mim, não é mais. Passo um tempo assim, dormindo sentado e coçando a barriga. Às vezes acho que pareço um macaco velho no zoológico, espero que ninguém traga crianças aqui pra rir de mim. Será que é por conta desse medo que nunca tive filhos?
Pensar demais de manhã cedo não é um bom sinal. Andando pela rua, pequenas coisas me incomodam, mas o que é pior é que o incômodo que elas causam me irrita. Estar irritadiço é irritante. Começo a cantarolar pra ver se passa a irritação, mas sei lá. Acho meio ridículas todas as músicas que canto. Melhor seguir em frente. Entrar no ônibus, me segurar na barra de alumínio, como se fosse só uma máquina. Ou um macaco, um estranho macaco pendurado junto com o resto da tribo num galho de alumínio. O ônibus pula e geme até chegar ao pátio de trem.
O problema não é a velhice, é a falta de vida. Se me perguntassem o que eu queria saber quando era criança, eu responderia "os nomes de todas as estrelas, as línguas dos homens e dos anjos, os segredos de todas as cidades, a história escondida da humanidade." Se me perguntassem o que sei hoje, responderia que botões apertar, e em que lado de cada estação os passageiros devem sair.
Acho que basta.