Porcarias de minha lavra e pérolas da lavra alheia. Quando tem tradução, é minha a não ser quando indicado.
Wednesday, December 14, 2005
Sunday, December 11, 2005
Gota
A três mil metros de altura, no meio de uma nuvem escura (cúmulo-nimbo), uma gota se forma. Desce atravessando ar gelado, depois camadas de ar cada vez mais denso e quente, ganhando velocidade, até encontrar um obstáculo, a marquise de um prédio na Rua do Ouvidor. Em passo mais lento continua em frente (abaixo), atravessando gerações de fuligem de automóvel tornada carvão, de cocô de pombo fossilizado, camadas mais finas deixadas pela fumaça de carrocinhas de churrasco. Atravessa o próprio concreto, ganha velocidade de novo enquanto circula uma estalactite e assim, girando, acerta o meu olho.
Prazer, José. Idade: esqueci. Profissão: da rua. Logradouro: aqui mesmo, entre o Unibanco (lucro anual: 1,4bn) e o ABN-AMRO (lucro anual: 6,4bn). Com licença, que eu tenho de ir ali na esquina mijar. Essa aqui do lado é minha filha, se quiser falar com ela enquanto isso...
Pronto. Não falou nada? Ô menina, deixa de ser mal-educada. Minha filha, sim. Ou pelo menos a mãe dizia que é, não tenho porque desconfiar da pobre criatura, que Deus a tenha. Morreu, sim, morreu de caminhão quando tentava atravessar a Rodrigues Alves com seu carrinho. Já faz um tempo. Crio a menina, com muito orgulho, é quietinha assim mas nunca cheirou cola, já sabe ler e escrever. Tá meio sujinha, mas isso a gente resolve no convento. Antigamente eu ia no chafariz, mas hoje em dia eles fecham a água para que a gente não tome banho. Uma barbaridade.
Eu pessoalmente acho que tô sujo também. Mas no convento eu não posso tomar banho. Não tenho raiva das freirinhas não, tadinhas. Todas tão velhinhas, não parecem mais passarinhos - minha mãe sempre dizia que freira parece passarinho, parecem uns pingüins, andando devagarzinho, devagarzinho.
Enfim.
Olha, menina, o dirigível! É, ela gosta muito do dirigível. Mesmo sabendo que é da polícia. Minha filha. Eu já fui piloto de avião, quando era mais novo. Não, não desses grandões de aeroporto. Avião de campo, de jogar inseticida (Monsanto: imagine). Aí fiz uma besteira, aceitei carregar droga, quando saí da cadeia não tinha quem me aceitasse como piloto. Não por preconceito não, meu patrão era um homem muito bom. É que me fizeram muita maldade na cadeia, não dava mais pra pilotar avião direito. Tentei um emprego que me arranjaram, atendendo telefone, mas não deu certo. Aí vim pra cá. A mãe da menina, conheci no rebotalho da Coag, morava com ela numa invasão lá do Porto. Quando ela morreu, desgostei do lugar, vim pra cá. É menos seguro mas é mais fresquinho. Chegamos. Oi, irmã Remédios, como vai a senhora? É, trouxe a menina. Foi um caminhão que enguiçou ontem, muita fuligem. Tá menos cinza é pela chuva mesmo, a senhora devia ver quando acordou, tava mais preta do que eu.
Olha a gota d'água, que coisa mais linda? Limpinha.
Prazer, José. Idade: esqueci. Profissão: da rua. Logradouro: aqui mesmo, entre o Unibanco (lucro anual: 1,4bn) e o ABN-AMRO (lucro anual: 6,4bn). Com licença, que eu tenho de ir ali na esquina mijar. Essa aqui do lado é minha filha, se quiser falar com ela enquanto isso...
Pronto. Não falou nada? Ô menina, deixa de ser mal-educada. Minha filha, sim. Ou pelo menos a mãe dizia que é, não tenho porque desconfiar da pobre criatura, que Deus a tenha. Morreu, sim, morreu de caminhão quando tentava atravessar a Rodrigues Alves com seu carrinho. Já faz um tempo. Crio a menina, com muito orgulho, é quietinha assim mas nunca cheirou cola, já sabe ler e escrever. Tá meio sujinha, mas isso a gente resolve no convento. Antigamente eu ia no chafariz, mas hoje em dia eles fecham a água para que a gente não tome banho. Uma barbaridade.
Eu pessoalmente acho que tô sujo também. Mas no convento eu não posso tomar banho. Não tenho raiva das freirinhas não, tadinhas. Todas tão velhinhas, não parecem mais passarinhos - minha mãe sempre dizia que freira parece passarinho, parecem uns pingüins, andando devagarzinho, devagarzinho.
Enfim.
Olha, menina, o dirigível! É, ela gosta muito do dirigível. Mesmo sabendo que é da polícia. Minha filha. Eu já fui piloto de avião, quando era mais novo. Não, não desses grandões de aeroporto. Avião de campo, de jogar inseticida (Monsanto: imagine). Aí fiz uma besteira, aceitei carregar droga, quando saí da cadeia não tinha quem me aceitasse como piloto. Não por preconceito não, meu patrão era um homem muito bom. É que me fizeram muita maldade na cadeia, não dava mais pra pilotar avião direito. Tentei um emprego que me arranjaram, atendendo telefone, mas não deu certo. Aí vim pra cá. A mãe da menina, conheci no rebotalho da Coag, morava com ela numa invasão lá do Porto. Quando ela morreu, desgostei do lugar, vim pra cá. É menos seguro mas é mais fresquinho. Chegamos. Oi, irmã Remédios, como vai a senhora? É, trouxe a menina. Foi um caminhão que enguiçou ontem, muita fuligem. Tá menos cinza é pela chuva mesmo, a senhora devia ver quando acordou, tava mais preta do que eu.
Olha a gota d'água, que coisa mais linda? Limpinha.
Saturday, December 03, 2005
Menino, fui como os outros: feliz
I used to have vivid dreams. Some of them, so much so that I still remember those. I dreamed of a voyage in a Portuguese man-o-war, in which we sailed through shampoo-pink seas and stopped in a reef from which strange filamentary life-forms, emerged. I dreamed that the Viscount of Cornear wanted to destroy the world using Agent Orange, and remember looking at him in the depths of the Paris Metro, carrying an old-fashioned perfume sprayer full of the deadly poison. Oddly enough, you entered the Paris metro throug steps that looked more like those of a seawall than those of a metro station, and there was a black panther treading through these steps. (Note: black panthers always improve any narrative in which they appear. Yes, this does apply to dissertations on ferromagnetic fluids.)
Now, those dreams are long gone. I dream in short, confused snatches. It's as if, but not really, there was a grey fog, through which faces and emotions appear at random, no more substantial than mist. And they are still more solid than the fog, which is not a fog but an emptiness; I bite at it, and my bites leave holes in the emptiness for a while, but there is no taste or resistance. I am biting at a pure presence.
In a way, I like to think of myself as Microcosmos. Everyone does that, to some level. I just make the issue more complex, and pedantic, than most, by removing myself from it. And the grey fog affects society as well, in a way. Think of the difference between what used to be called depression and the word's new meaning. It used to mean a deep sadness, a descent into darkness. Orpheos Bákykos making a trip to the underworld for Eurydices' sake. Now, that Tartarus has gone, and been replaced by the fate of those who wander the grey fields of Asphodel, Gehinnon, Hel. Just compare and contrast the words of Egil Skallagrimsson, nearly a thousand years ago with those of Caetano, not so long ago, and the contemporary anthem
When you were here before
Couldn’t look you in the eye
You’re just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
And I wish I was special
You’re so fuckin’ special
But I’m a creep, I’m a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
I don’t care if it hurts
I want to have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I’m not around
You’re so fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep, I’m a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
She’s running out again,
She’s running out
She’s run run run running out...
Whatever makes you happy
Whatever you want
You’re so fuckin’ special
I wish I was special...
But I’m a creep, I’m a weirdo,
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
I don’t belong here.
Now, those dreams are long gone. I dream in short, confused snatches. It's as if, but not really, there was a grey fog, through which faces and emotions appear at random, no more substantial than mist. And they are still more solid than the fog, which is not a fog but an emptiness; I bite at it, and my bites leave holes in the emptiness for a while, but there is no taste or resistance. I am biting at a pure presence.
In a way, I like to think of myself as Microcosmos. Everyone does that, to some level. I just make the issue more complex, and pedantic, than most, by removing myself from it. And the grey fog affects society as well, in a way. Think of the difference between what used to be called depression and the word's new meaning. It used to mean a deep sadness, a descent into darkness. Orpheos Bákykos making a trip to the underworld for Eurydices' sake. Now, that Tartarus has gone, and been replaced by the fate of those who wander the grey fields of Asphodel, Gehinnon, Hel. Just compare and contrast the words of Egil Skallagrimsson, nearly a thousand years ago with those of Caetano, not so long ago, and the contemporary anthem
When you were here before
Couldn’t look you in the eye
You’re just like an angel
Your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
And I wish I was special
You’re so fuckin’ special
But I’m a creep, I’m a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
I don’t care if it hurts
I want to have control
I want a perfect body
I want a perfect soul
I want you to notice
When I’m not around
You’re so fuckin’ special
I wish I was special
But I’m a creep, I’m a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
She’s running out again,
She’s running out
She’s run run run running out...
Whatever makes you happy
Whatever you want
You’re so fuckin’ special
I wish I was special...
But I’m a creep, I’m a weirdo,
What the hell am I doing here?
I don’t belong here.
I don’t belong here.
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