Tuesday, March 29, 2011

Erro

Um erro é tua existência física
Muito belo e magnânimo e gentil.
É que, feita no molde de átomos,
de moléculas e sutilíssima luz
não pode ela acompanhar a poética
de velhos e apropriados clichês.

Tua pele deveria ter a pura alvura
(em verso interior-rimado adequado)
condizente com a espuma marinha de
que deverias ter nascido, ao invés
de tê-lo feito, suja e chorando
dum mui humano e impoético ventre.

Erro, repito, é a cor assim mutável
da tua pele, resistente a qualquer métrica
ou tentativa de pobre rima, aliteração,
prosódia, da minha tosquiada imaginação.
Erradas todas as tuas formas, que só posso
admirar sem descrever, pois que mais belas
e sólidas, e reais
que a lira do poetastro.

Monday, March 28, 2011

Carne

Mordo o livro
sinto invadir minha boca
o cheiro acre de sangue
mordo
de novo, com força
até que arranco um naco
de carne do livro
(livro ou mulher, não sei)

de quatro, como um cão
esfrego o focinho no cadáver
- o que tenho é focinho, não rosto
não sei de que cadáver se trata
insensato, como um cão.

Tuesday, March 22, 2011

Maresia

Dizem aqueles, que disso entendem
Que o cheiro do mar é o cheiro da morte
De um milhão de pequenas mortes
Das pequenas coisas que morrem na espuma

São coisas do mar, morrendo na terra?
São coisas da terra, afogadas no mar?
Não sei, confesso - minha ignorância
É vasta e profunda como o imenso mar

Não sei, repito e repito. Mas meus
Ossos, tão mais sábios e velhos do que eu
Percebem a morte que habita esse cheiro
E sonham com uma morte de marinheiro.

Tuesday, March 15, 2011

Entrevisões

Tua leveza é tão grande e imensa
Que dela só se vê vislumbres
Nacos de teu tempo e presença
Segundos que mais parecem meses
Ali um dorso, que se arqueia
Aqui uma perna, que se alonga
A sombra de um seio, se beija
Uma boca que em riso se prolonga
Olhos, enjanelando tua risada
De cor a um tempo límpida e exótica
Um nariz comprido, nenhuma papada
E dentes que mordem em tua boca
Qual um sonho de desejo e força
Ou peças espalhadas de um quebra-cabeça