Sunday, January 28, 2007

III/IV

Sentado na beira da cama, coço a barriga. Conto as pelancas, no rastro que sobe entre elas olho os fios brancos que se mesclam aos pretos. Será que foi tanto tempo assim? Deve ter sido. Acordar já foi sinônimo de se levantar pra mim, não é mais. Passo um tempo assim, dormindo sentado e coçando a barriga. Às vezes acho que pareço um macaco velho no zoológico, espero que ninguém traga crianças aqui pra rir de mim. Será que é por conta desse medo que nunca tive filhos?
Perguntas demais pra se fazer logo de manhã. Limpo a cabeça delas - de que adianta - e vou fazer o café. Tomo o café queimado, como de costume, logo depois de sair do banho. Nunca consegui me acostumar com o tecido da camisa do uniforme. É liso demais, o rayon desliza pela pele com um som que não se ouve, mas que incomoda. O sol lá fora, quente apesar de sua luz ainda ser amarela, deixa claro que pôr uma regata por baixo não é uma boa idéia.

Pensar demais de manhã cedo não é um bom sinal. Andando pela rua, pequenas coisas me incomodam, mas o que é pior é que o incômodo que elas causam me irrita. Estar irritadiço é irritante. Começo a cantarolar pra ver se passa a irritação, mas sei lá. Acho meio ridículas todas as músicas que canto. Melhor seguir em frente. Entrar no ônibus, me segurar na barra de alumínio, como se fosse só uma máquina. Ou um macaco, um estranho macaco pendurado junto com o resto da tribo num galho de alumínio. O ônibus pula e geme até chegar ao pátio de trem.

O problema não é a velhice, é a falta de vida. Se me perguntassem o que eu queria saber quando era criança, eu responderia "os nomes de todas as estrelas, as línguas dos homens e dos anjos, os segredos de todas as cidades, a história escondida da humanidade." Se me perguntassem o que sei hoje, responderia que botões apertar, e em que lado de cada estação os passageiros devem sair.

Acho que basta.

Tuesday, January 16, 2007

Quase traduzindo Baudelaire

O vinho reveste o pior pardieiro
de um luxo milagroso
Faz surgir mais de um pórtico fabuloso
Nos ouros de seu vapor rubro
Qual um sol se deitando num céu chuvoso

O ópio aumenta o que não tem fronteiras
Alonga o que não tem limite
Aprofunda o tempo, deixa a volúpia gigante
E de prazeres negros, mornos
Enche a alma para além do que nela cabe

Tudo isso não vale o veneno que escorre
De teus olhos, de teus olhos castanhos
Lagos onde minha alma se vê ao em espelho...
Meus sonhos vêm, uma multidão
Para se viciar nesses amargos canyons

Tudo isso não vale o prodígio terrível
Da tua saliva que morde
Que mergulha no esquecimento minh'alma, sem pesar
Que, carregando a vertigem,
A joga tropeçante nas margens da morte.

Sunday, January 14, 2007

Monday, January 08, 2007

Macarrônico

Se tem uma habilidade de personagem fictício que eu queria ter, mais do que o vôo dos anjos ou o anel do Lanterna Verde, é a do Jack Sparrow (tenho certeza de que há referências melhores, inclusive que eu mesmo já li ou assisti, mas não lembro de nenhuma no momento), de saber sempre exatamente o que quer. Com bússola.

Em homenagem à realidade que é quase o contrário, ponho aqui um poema do mestre Juó Bananere.


TEGNO una brutta paxó,
P'rus suos gabello gôr di banana,
I p'ros suos zoglios uguali dos lampió
La da igregia di Santanna.

Ê mesimo una perdiçó,
Ista bunita intaliana,
Che faiz alembrá os gagnó
Da guerre tripolitana.

Tê uns lindo pesigno
Uguali cos passarigno,
Chi stó avuáno nu matto;

I inzima da gara della
Té una pinta amarella,
Uguali d'un carrapatto.