Wednesday, August 30, 2006

After O. Henry

Um, dois.

O grão vem com terra, só um pouco mais dura que ele.

Um, dois, três.

A galinha bica o chão, sem achar nada na areia dura. Dá um passo. Olhando cuidadosamente em volta, como se tivesse medo de acordar as companheiras, dá outro. Caminha, lentamente, para a frente. Um, dois. Cisca de novo - um grão! Gordo, doce, o gosto dele apressa os passos da ciscadora, que enfia a cabeça, sem reparar, fora da sombra do telhado. Entre a sombra fresca e o sol forte, a linha é dura, quase sólida, e atravessar essa linha assusta a galinha. O pulo para trás, esbaforido, quase acorda as outras, que se mexem em seus poleiros. O susto não impede os olhos de se acostumarem à luz, as pupilas crescendo até quase acabarem com os brancos, e ela vê, do outro lado do pátio, uma travessa cheia de milho. Mas o céu aberto, azul puro, não tem nem uma nuvem que ameace com sua sombra.

Mais confiante, a galinha avança. À medida que ela anda, os grãos de milho vão se tornando mais abundantes, florescem sobre o chão em que o marrom vira amarelo. Uma dor vermelha se engancha na moela, depois desaparece, nem todo o chão virou ainda milho. A galinha estremece todas as penas, as que se soltam e as que ficam, enquanto a pedra se acomoda na moela, durante uma instantânea eternidade.

Andando, bicando, andando, ciscando, no sol que torna as penas mais macias, mais luzidias. Até a cerca. Uma cebola, logo atrás da cerca! A galinha se esforça, enfia o pescoço pelo hexágono de arame que lhe doi, raspando fora algumas penas, mas a cebola está além de seu alcance. O sol já não é mais um calor confortável; o esforço de alcançar a cebola, sempre infrutífero, sempre repetido, torna qualquer calor um companheiro indesejável, até que- a porta do galinheiro se abre.